Em tempos de redes sociais, proibir Bets é enxugar gelo

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Por Lilian Carvalho (*)

Em uma canetada, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal adote medidas de "proteção especial" para proibir que beneficiários de programas sociais, como Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), utilizem os recursos para fazer apostas online. Segundo dados do Banco Central, os beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por meio de pix somente em agosto. Mas, será que proibir vai realmente resolver alguma coisa?

Desde a promulgação da Lei 13.756/2018, que liberou as apostas de quota fixa em eventos esportivos, o Brasil tem vivido uma verdadeira montanha-russa regulatória. A administração atual finalmente decidiu implementar regras para controlar e fiscalizar as apostas online. E claro, as discussões fervem nas redes sociais e nos veículos de imprensa sobre os problemas que esses sites causam: vício, perda financeira, destruição de vidas.

A proibição vem para evitar mais estragos. Entretanto, a pergunta que fica: será efetiva?  Recentemente, o STF tentou proibir o Twitter/X. Porém, com o uso de VPNs, os internautas continuam acessando o que querem. O mesmo vale para as apostas, ou seja, bloquear pode ser tão eficaz quanto enxugar gelo.

Deve-se lembrar que a legalização das apostas esportivas não veio acompanhada de uma regulamentação mais ampla que envolvesse o mercado publicitário. Tal fato fez as empresas usarem e abusarem de propagandas que mostravam os jogos on-line como uma forma de obter dinheiro fácil, luxo e riqueza. Segundo pesquisa da Universidade de Gothenburg, na Suécia, as apostas oferecem o sonho de transformar vidas, recompensas sociais, desafio intelectual, e até uma mudança de humor. David Spanier, um dos autores mais famosos do mundo de apostas e pôquer, diz sobre apostar: “É como dirigir um carro: o combustível (dinheiro) é necessário, mas o prazer está na velocidade, no estilo, no movimento.”

Nessa esteira, se destaca a presença de influenciadores, que postavam regularmente vídeos vencendo apostas e recebendo as recompensas. Tudo fake e não passava de uma conta demonstração que garantia os ganhos. Inclusive, denúncias dão conta de que a remuneração dos influenciadores que faziam esse tipo de postagem estava atrelada às perdas de seus seguidores.

Mas fake ou não, os brasileiros ficaram de olho. Para se ter uma ideia, em agosto de 2024, o Betano, maior site de apostas no Brasil, acumulou mais de 37 milhões de buscas no Google. Para efeito de comparação, o termo "Corinthians" teve 24,9 milhões de buscas no mesmo período.

Estrago feito e bilhões jogados no lixo, a partir de primeiro de janeiro começam a valer as regras que obrigam as operadoras a terem licenças no país e recolherem impostos. Além disso, a nova regulamentação vai fixar limites para a publicidade dos jogos. Também está prevista a criação de medidas de proteção aos consumidores e políticas para prevenção e tratamento dos jogadores compulsivos.

Esse é o caminho mais efetivo do que uma canetada como o ministro acredita. Segundo o artigo do Journal of Frontiers in Psychiatry, há intervenções que podem ajudar pessoas viciadas ou em risco de vício nestes jogos, sem recorrer à proibição total. Tecnologias já foram desenvolvidas para monitorar atividades de jogo, identificar indicadores de risco e permitir intervenções oportunas. Isso inclui feedback personalizado, dispositivos de pré-compromisso para moderar o jogo, mensagens dinâmicas que incentivam a autoavaliação e até máquinas de jogos eletrônicos com alarmes personalizáveis para evitar o jogo contínuo.

Além disso, carteiras digitais podem limitar os gastos com jogos e fornecer feedback pessoal sobre despesas. Opções de design, como "embalagem simples" para sites de apostas, podem minimizar estímulos visuais, enquanto pausas obrigatórias reduzem a velocidade das apostas. Exigir que os usuários confirmem manualmente suas apostas também pode ajudar a moderar o comportamento.

Existem medidas mais simples, pois, ao final das contas, tentar impedir as pessoas de jogarem não acabará com as apostas. Talvez seja hora de repensar nossa abordagem. Em vez de proibir, por que não educar e introduzir ferramentas comportamentais que ajudam quem tem o risco de se viciar em apostas? Afinal, o brasileiro sempre dá um jeitinho. 

(*) Lilian Carvalho é PhD em Marketing e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da FGV/EAESP e fundadora da Método Lumière.

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